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Radiografia da Noticia
* Um efeito colateral inesperado vem chamando atenção de pesquisadores
* O enjoo acontece quando há uma incompatibilidade sensorial
* Sem sinais antecipatórios, ele perde a capacidade de prever o movimento
Dr. Saulo Nader
"Eles são silenciosos, sustentáveis e inteligentes, mas também estão deixando muita gente enjoada. Com a popularização dos veículos elétricos e o avanço da tecnologia autônoma, um efeito colateral inesperado vem chamando atenção de pesquisadores: a cinetose, ou “doença do movimento”, está se tornando mais comum e intensa em quem anda nesses novos modelos de carro. E o cérebro é o principal responsável por isso.
Segundo o neurologista Dr. Saulo Nader, o enjoo acontece quando há uma incompatibilidade sensorial. “O cérebro recebe informações desencontradas dos olhos, ouvidos e do corpo. Quando o que ele vê não bate com o que sente ou espera, surgem sintomas como náusea, tontura, suor frio e, em casos mais graves, vômito”, explicou o especialista.
Nos carros a combustão, sons e vibrações funcionam como pistas antecipadas de aceleração, frenagem ou curvas. Já nos veículos elétricos, essas referências somem. A ausência do som do motor, o funcionamento quase imperceptível do chassi e a frenagem regenerativa (um sistema que desacelera suavemente, sem uso contínuo do pedal) contribuem para essa desorientação cerebral.
“É como se o cérebro dirigisse no escuro. Sem sinais antecipatórios, ele perde a capacidade de prever o movimento, o que gera um verdadeiro curto-circuito sensorial”, resumiu Dr. Saulo.
O número de enjoos cresce com a frota elétrica
A cinetose ganhou um novo palco: os carros elétricos. Em 2024, 22% das vendas de automóveis novos no mundo foram de veículos elétricos, segundo dados internacionais, um salto em relação aos 18% registrados em 2023. Com isso, surgiram também os relatos. Nas redes sociais, multiplicam-se as postagens de passageiros que passaram mal em veículos elétricos, especialmente no banco de trás.
A ciência confirma: um estudo recente realizado na França pela Université de Technologie de Belfort-Montbéliard identificou que a falta de ruído e vibração, elementos cruciais na construção da memória motora, está diretamente relacionada ao aumento da cinetose em veículos elétricos.
“Nosso cérebro foi treinado por anos a reconhecer certos padrões de movimento baseados no som e nas sensações físicas dos carros a combustão. Nos veículos elétricos, esse ‘vocabulário sensorial’ não existe ainda”, explicou o pesquisador William Emond.
Outro estudo de 2024 apontou forte correlação entre a gravidade do enjoo e as vibrações do assento dos carros elétricos. A frenagem regenerativa, presente na maioria dos veículos elétricos, também foi listada como um dos principais gatilhos da cinetose por gerar desaceleração de baixa frequência e difícil percepção.
Nos carros autônomos, até o motorista enjoa
Se nos elétricos os passageiros já sofrem, a situação é ainda mais desafiadora nos veículos autônomos, onde todos os ocupantes deixam de ser motoristas. Sem a antecipação motora, que ajuda o cérebro de quem dirige a prever o movimento, os sintomas pioram.
Um estudo recente apontou que até dois terços dos passageiros de veículos autônomos devem sofrer de algum grau de enjoo, o que representa uma barreira real à adoção dessa tecnologia em massa.
“Quem dirige raramente enjoa porque antecipa o movimento. Ele sabe quando vai frear, virar ou acelerar. Nos autônomos, essa previsibilidade se perde, e até o ex-motorista vira passageiro vulnerável”, destacou o Dr. Saulo Nader.
Além disso, a pesquisa mostra que o movimento horizontal (curvas) induz mais sintomas do que o movimento vertical (como buracos ou lombadas). Essa constatação levou à criação de sistemas inteligentes de mitigação da cinetose.
A neurociência busca soluções
Entre as estratégias mais promissoras está o uso de algoritmos de controle que ajustam a aceleração nas curvas em tempo real. Um estudo recente registrou uma redução de 35,8% no índice de enjoo com esse tipo de tecnologia aplicada em veículos autônomos elétricos.
Outras soluções testadas incluem:
- Sons artificiais de motor para orientar o cérebro,
- Luzes internas dinâmicas que acompanham o movimento do veículo,
- Bancos com inclinação preemptiva e
- Sistemas sensoriais multimodais, combinando vibração, música relaxante, ventilação e até aromas suaves.
Além disso, ferramentas de medição objetiva como EEG, fNIRS e escalas como a RMS (Real-Time Motion Sickness Scale) estão permitindo o monitoramento em tempo real do enjoo durante as viagens, abrindo caminho para ajustes personalizados no conforto dos ocupantes.
O desafio cerebral da mobilidade do futuro
Para o Dr. Saulo Nader, a cinetose em veículos elétricos e autônomos não é apenas um problema de engenharia: é, acima de tudo, um desafio cerebral.
“O cérebro é altamente adaptável, mas precisa de tempo e repetição. Quando o ambiente muda rápido demais, como agora, com veículos que quase não oferecem pistas sensoriais, ele responde com alerta, desconforto e náusea. É o custo da inovação sem acostumamento”, afirmou.
A boa notícia é que a ciência já está atenta. E quanto mais a indústria automobilística entender que o conforto da mobilidade do futuro passa também pela neurologia, mais perto estaremos de uma transição suave, silenciosa e sem enjoo.
Dr. Saulo Nardy Nader é neurologista, referência em tontura, vertigem e distúrbios do equilíbrio.
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